Por Tiago J.B. Paqueliua Resumo Este ensaio analisa de forma crítica a discrepância entre os anúncios de megaprojetos em Moçambique e
Por Tiago J.B. Paqueliua
Resumo
Este ensaio analisa de forma crítica a discrepância entre os anúncios de megaprojetos em Moçambique e a sua efetiva implementação, com destaque para o recém-anunciado acordo com o Qatar em 2025. A investigação combina elementos jornalísticos e académicos, apoiando-se em fontes públicas e comparações históricas. A análise mostra que, embora projetos como a Coral Sul FLNG e a Ponte Maputo–Katembe tenham sido concretizados, outros — como o Mozambique LNG, o Rovuma LNG e o ProSavana — revelam uma tendência de atrasos, suspensões e cancelamentos. O estudo conclui que a probabilidade de corporização do novo acordo Qatar–Moçambique dependerá menos da dimensão financeira do anúncio e mais de fatores estruturais como governança, segurança e capacidade de absorção da economia moçambicana.
Palavras-Chave
Moçambique; Qatar; Investimento; LNG; Dívidas Ocultas; Infraestruturas; Governança; Implementação; Cabo Delgado.
Introdução
Moçambique consolidou-se, desde o início da década de 2010, como palco de megaprojetos anunciados em setores estratégicos, sobretudo no gás natural, nas infraestruturas de transporte e na agricultura. Contudo, a distância entre anúncios públicos, frequentemente apresentados como “históricos”, e a efetiva materialização no terreno é uma constante. O acordo assinado com o Qatar em 2025, estimado em vários milhares de milhões de dólares, relança o debate sobre se o país dispõe das condições institucionais, financeiras e de segurança necessárias para converter promessas em realizações.
Este ensaio adota uma abordagem jornalística investigativa, mas com rigor académico, recorrendo à análise comparativa de casos anteriores de investimento para compreender a viabilidade de corporização do mais recente anúncio.
I. Desenvolvimento
1. Histórico de Acordos e Realizações
A análise dos últimos 15 anos revela três categorias distintas:
Implementados
Coral Sul FLNG (ENI, Área 4): entrou em operação em 2022, marcando a primeira exportação de GNL offshore em África.
Ponte Maputo–Katembe: concluída em 2018, com financiamento do Exim Bank da China (~US$681,6M).
Corredor de Nacala: operacional, com planos de expansão anunciados em 2024/25.
Em (Re)arranque ou Planeamento
Mozambique LNG (TotalEnergies, Área 1): suspenso em 2021 após ataques em Palma; reativação prevista para verão de 2025.
Rovuma LNG (ExxonMobil): decisão final de investimento adiada para ~2026.
Coral Norte FLNG (ENI): aprovado em abril de 2025, com início de produção previsto para 2028.
Fracassados
ProSavana: cancelado em 2020 após forte contestação social.
Dívidas Ocultas (EMATUM, ProIndicus, MAM): escândalo de US$2B que abalou a confiança internacional e resultou em processos judiciais.
2. Fatores Estruturais que Condicionam a Execução
Segurança: O conflito em Cabo Delgado revelou-se determinante para a suspensão do Mozambique LNG.
Governança e Transparência: O caso das Dívidas Ocultas minou a credibilidade internacional.
Capacidade de Absorção Económica: Projetos de larga escala frequentemente superam a capacidade logística, regulatória e social do Estado.
Dependência Externa: O financiamento e expertise estrangeiros tornam os projetos vulneráveis a crises geopolíticas.
3. O Acordo Qatar–Moçambique (2025) em Perspectiva
O anúncio mais recente com o Qatar enquadra-se na tendência de megainvestimentos bilaterais. Contudo, a análise comparativa sugere que:
Grandes valores não garantem execução rápida ou plena.
A energia, por ser estratégica e com retorno financeiro global, apresenta maior probabilidade de concretização.
A ausência de clareza sobre prazos, setores e mecanismos de monitoria pública reforça as dúvidas.
II. Conclusão
A probabilidade de corporização do acordo Qatar–Moçambique dependerá sobretudo de três condições: (1) estabilidade em Cabo Delgado e noutras zonas estratégicas; (2) transparência na gestão contratual e financeira; e (3) reforço institucional para absorver megaprojetos. A história recente sugere que, sem reformas estruturais, o risco de repetição de atrasos, suspensões ou mesmo fracassos permanece elevado.
Glossário
GNL (Gás Natural Liquefeito): gás natural arrefecido até estado líquido para facilitar transporte.
FID (Final Investment Decision): decisão formal de avançar para a execução de um projeto de capital intensivo.
Megaprojeto: empreendimento de larga escala, superior a US$1B, com impacto nacional/regional.
Governança: conjunto de práticas de gestão e transparência aplicadas às instituições públicas e privadas.
Epílogo
A história recente de Moçambique mostra que o futuro dos grandes acordos não se decide nas cerimónias de assinatura, mas sim no campo minado da sua execução. O acordo Qatar–Moçambique será, por isso, um novo teste à capacidade do país em transformar promessas políticas em benefícios reais para as populações. A lição é clara: anúncios geram manchetes, mas apenas a implementação transforma vidas.
O melhor é manter o pessimismo.
Referências
1. Reuters (2022–2025). Diversas notas sobre LNG em Moçambique.
2. Autoridade Reguladora de Energia de Moçambique (ARENE), relatórios anuais 2022–2024.
3. Jornal Noticias (2018). Inauguração da Ponte Maputo–Katembe.
4. Club of Mozambique (2020–2025). Reportagens sobre ProSavana, LNG e Dívidas Ocultas.
5. Tribunal Judicial da Cidade de Maputo (2022–2025). Sentenças sobre o caso das Dívidas Ocultas.
6. Relatórios do Banco Mundial e FMI sobre Moçambique (2015–2024).


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